#4 para 2025
Raiz de silêncio - Eriss OC
Escreve sobre uma personagem que busca consolo na natureza e encontra algo transformador.
Naquela manhã, deixou o Victoria Punk sem dizer uma palavra. Ele estava ocupado a ajustar alguma arma que fazia barulho demais. Ela estava a estudar ervas com uma concentração e brilho nos olhos. Do que a viram sair, ninguém a impediu. Talvez soubessem que ela precisava daquilo. Apenas uma das típicas buscas do sossego que deixou de ter.
A capa era arrastada pelo mato que dificultava a passagem, envolvendo-a a cada passo que dava. Eriss afastou mais um ramo com a ponta dos dedos, ignorando os arranhões que deixava na pele. O cheiro a terra molhada envolvia-a, o som da forçar a passagem pela floresta que se tornava densa aumentava. Estava longe da costa, longe do barco, longe de tudo. E era exatamente isso que queria.
Após o que pareceu começar a estar perdida, há não sabia onde acabava a dor e começava o cansaço. Sentia-se um recipiente a despedaçar-se, cheio de microfissuras invisíveis, prestes a estilhaçar ao menor toque.
As árvores começaram a abrir espaço e a luz chegava suave suave entre as folhas altas, expandindo o campo de visão. No centro de um espaço aberto, uma rocha coberta de musgo, e desta, uma pequena nascente brotava uma água límpida, silenciosa.
Sentou-se na pedra e tirou as botas, sentindo a erva abaixo de si. Depois, os punhos e a capa pesada com cheiro a sal e sangue seco. Ficou em camisa, as saia presa ao cinto. Sentiu-se leve e assim que os pés tocaram a água gelada mas perfeita, trouxe-lhe memórias da lagoa natural da ilha onde viveu. Tal como ali, ninguém a chamava. Não havia gritos, ordens, responsabilidades. Só o silêncio.
Fechou os olhos, respirou fundo, e chorou.
Lágrimas que não ardiam, que não pediam desculpa por cair. Não havia ninguém para vê-las. Não precisava de colocar a constante armadura. Era só a floresta.
— Estou cansada — sussurrou, com a voz rouca, esquecida de si própria. As árvores não responderam, mas o vento soprou entre os ramos, como dedos a afagar-lhe o cabelo.
Afundou os pés na água até os dedos ficarem dormentes. Passou as mãos pela superfície e limpou as lágrimas que marcaram o rosto. No fundo da nascente, algo brilhou. Ela curvou-se e mergulhou o braço até ao cotovelo. Tocou em algo liso, quase como metal. metálico. Um medalhão oval do tamanho de uma uva, com inscrições que não conhecia. Não era ouro.
Sentiu um tremor correr-lhe o braço.
— Que raio…?
O objeto aqueceu-lhe a pele, sem queimar, mas pulsava como se tivesse a própria vida. Ela ficou imóvel, e como tantas outras alturas, uma voz surgiu-lhe na mente, despejando-lhe sensaçõe e memórias que não eram dela.
Chamas. Areia. Uma mulher de cabelos longos a enterrar o mesmo objeto sob as pedras, a chorar. Um juramento silencioso. Protege. Transforma. Recomeça.
Eriss deixou cair o objeto no colo e ficou a olhar para ele com a respiração presa na garganta. Aquilo era estava a chamá-la. Habituada ao seu dom e destino, tocou-lhe com ambas as mãos e escutou.
O mundo mudou. Não havia dor ou escuridão.
Eriss estava de pé num campo aberto, onde o sol brilhava e o vento soprava suave. Vestia uma túnica clara, os pés descalços sobre a relva fresca. À sua frente, uma mulher esperava. A pele morena, cabelo entrançado com penas e contas coloridas, os olhos verdes de um tom impossível.
— És tu, então — disse a mulher.
— Eu… o quê?
— A que carrega feridas no peito, mas ainda assim recusa-se a parar.
Ela não respondeu. A mulher aproximou-se e tocou-lhe o rosto com dedos leves.
— A floresta ouviu-te. Trouxe-te aqui para escolheres. Podes continuar a correr, a lutar, a esconder. Ou podes deixar cair a pele velha. Tornar-te algo novo.
— Não sou boa a… recomeçar.
— Não tens de ser boa. Só tens de ser sincera.
Eriss apertou os punhos. — Já fiz escolhas antes, e continuo a ser obrigada a faze-las. apenas quero parar.
— E sobrevives-te. Não é esse o verdadeiro poder?
A mulher estendeu-lhe o objeto de novo que agora brilhava como se contivesse o céu estrelado dentro.
— Aceita-o, Eriss. Não como arma., mas como espelho.
Ela hesitou, mas depois esticou as mãos. O objeto dissolveu-se nos seus dedos.
Abriu os olhos de novo na floresta. Estava sentada, o corpo arrepiado, mas o coração calmo. Nada parecia diferente, mas tudo também parecia mais claro.
O peso que carregava no peito… não desaparecera. Mas mudou a sua forma, como se fosse possível carregá-lo sem partir-se.
Eriss levantou-se, vestiu-se de novo em gestos lentos. Antes de voltar, virou-se para a nascente.
— Obrigada — disse e o vento respondeu com um sussurro quente.
Horas depois, de volta ao ambiente conhecido e caótico do Victoria Punk.
— Onde estiveste? — perguntou ele, franzindo a testa.
Eriss pousou a capa no encosto de uma cadeira.
— Fui procurar um pouco de silêncio.
— Encontraste?
Ela sorriu —Sim, e não só.
Taoleve como entrou, voltou a sair do quarto e caminhou até ao convés. O sol começava a pôr-se, o mar cheirava a promessas.
Ia ao encontro de si mesma.