A clareira
Ela era apenas uma rapariga que gostava de ler, era a sua maneira de escapar à realidade a que era sujeita. Sonhar acordada era uma constante, tanto que lhe passaram a chamar a ingénua.
A neblina ia invadindo a floresta ao anoitecer, concedendo-lhe aquele ar de mistério. A luminosidade começava a escassear, mas isso não a impedia de continuar. O vestido longo arrastava as pequenas folhas que iam caindo com o movimento do vento, os cabelos longos e ondulados tocavam nos ombros e costas nuas. Ela não sabia qual era o seu destino, apenas sabia que tinha que continuar e desfrutar da sensação que a natureza lhe proporcionava. Parada no meio daquele ambiente de mistério e aconchego, ainda era possível ver a entrada da floresta e as cores no horizonte, tons de rosa, laranja e vermelho, com alguns rasgos brancos das nuvens. Era uma explosão maravilhosa, que transmitia uma paz para os olhos verem, a beleza que o universo pode proporcionar. Os minutos dourados iam desvanecendo-se e dando lugar ao luar que lentamente ia subindo no céu. Ela caminhava para dentro da floresta, as formas das árvores iam mudando com a ascensão luar, o vento permitia ouvir os sons da natureza, os animais noturnos que acordavam e os diurnos que se preparavam para irem dormir. Deixando-se guiar pelos seus sentidos foi dar a uma clareira pequena, mas repleta de flores que coabitavam com pirilampos, proporcionando um ambiente mágico. Como era belo e sossegado, o vestido e os cabelos continuavam a esvoaçar ao vento enternecedor, os pensamentos fluíam como os pirilampos que rodopiavam pelo ar. Ela deixou-se cair e o seu corpo perdeu o peso do mundo e abraçou a energia que aquele ambiente proporcionava. Não existia nada para além da beleza que era vista, e os sentimentos e sensações que os sentidos captavam. O tempo deixara de existir, porque a vida passara a ser tão simples naquela noite. O corpo dela encontrava-se deitado na relva rasteira, a sua mente deixava-se levar, naquela clareira em que tudo era possível para uma mente ilimitada e curiosa. Ela descobrira que a beleza não está só no ambiente que a rodeava, mas também nela própria. Um ramo permitia-lhe escrever os seus pensamentos soltos naquele chão coberto de terra, folhas e erva. A terra iria guardar os seus desejos e segredos. O luar começa a desvanecer-se com os primeiros raios de sol, mais uma vez ela levanta-se e percorre o caminho por onde veio. A neblina desaparece com o calor da terra, as sombras e formas passam a tomar estrutura, mas o vento continua a fazer-lhe companhia, a percorre-lhe o corpo e a aguçar os sentidos. À entrada da floresta os raios de sol tomam a forma do sol e ela sorri.
Não importava qual era o livro, a história era lida e sentida, e nas horas que era obrigada a viver a sua vida para ter um futuro e sustentar-se, a sua mente divagava pelo sonho que tinha desde que era uma criança, que aprendera a ler e escrever. A clareira onde se permitia ser ninguém, a ser a própria liberdade, os próprios desejos, a ser a pessoa ingênua que busca encontrar o seu lugar no mundo.