espelho
Ela olha-se ao espelho...
O cabelo ondulado a dar pelo meio das costas, num estado bagunçado. As olheiras profundas, com um tom escuro e a transmitirem o cansaço do corpo e da mente. Uma cara com algumas imperfeições, disfraçadas por um maquilhagem leve. Uns brilhos em certos pontos da face ao receber a luz direta das lâmpadas.
Apesar de ela tentar mostrar ao mundo que esta feliz com a pessoa que se esta a tornar, as suas expressões dizem o contrário. O exterior não faz transparecer o interior.
Após alguns segundos a tentar recompor-se da imagem que o espelho lhe transmite, repara num copo meio partido. O instinto de pegar num caco e senti-lo levemente na pele é atroz. A sensação de frieza, o estímulo de dor, o arrepio na espinha, as primeiras emoções de redenção. Ela debate-se perante essa vontade súbita de voltar a seguir aquela estrada e a realidade dos anos que a atravessaram.
Mais uma vez, ela fixa o seu reflexo naquela luz apagada. Os pensamentos fluem, invadindo à sua mente. Tenuamente vai surgindo um pequeno sorriso, orgulho de si própria, de todas as lutas e conquistas, de ter sobrevivido, de estar a encontrar o seu lugar no mundo. Uma lágrima vai escorrendo pela sua face, pura, sincera e profunda, atrás desta forma-se outra. As emoções pesam, sentimentos acumulados e ignorados, tentativas frequentes de colocar assuntos de lado, o peso de estar a crescer para a realidade nua e crua. Ela deixa-se ficar, parada e estática em frente ao espelho, a ver o seu reflexo mais profundo e genuíno.
Chamam por ela, em reflexo, limpa as lágrimas e retorna à realidade. Deixou-se perder naquela vastidão de auto-reconhecimento. Abre a torneira e passa duas palmas de água fria pela cara. No final ela simplesmente sorri, vira costas ao espelho e ao copo fragmentado e caminha em direção à realidade.