História sem Renas
Era uma das noites mais frias do Yule em Skaldhus, uma pequena aldeia rodeada por montanhas cobertas de neve e pinheiros que balançavam sob a leve brisa. A aldeia estava iluminada por velas e lanternas, cujas chamas dançavam em harmonia com o vento gelado. No centro da praça, uma fogueira grandiosa aquecia os aldeões, que começavam a reunir-se para a tradicional celebração da época.
No meio da confusão de risos e conversas animadas, a figura de Sigrid emergiu. Anciã e respeitada líder espiritual da aldeia, era conhecida por sua sabedoria e pelas histórias que contava nas noites de Yule. Com o seu cajado decorado por runas, ramos de azevinho e rodelas de laranjas secas, ela subiu numa pequena plataforma improvisada e bateu três vezes no chão. O som ecoou, e o burburinho diminuiu até se transformar num silêncio congelante.
— Boa noite, e obrigado por estarem aqui todos — começou Sigrid, a voz firme, mas acolhedora. — É mais uma noite aquecida pelas celebrações, onde partilhamos os laços e sentimentos criados. No entanto, hoje trago uma notícia um pouco preocupante.
Os aldeões entreolharam-se, intrigados. Sigrid respirou fundo antes de continuar, e sentar-se na beira da plaforma. O seu olhar percorria as pessoas, mas focavam-se especialmente nas crianças à frente, que esperavam pelo conto tradicional.
— Recebi uma mensagem dos suspiros que o vento traz. As renas... estão de greve.
Um silêncio incrédulo caiu sobre a multidão. O primeiro a falar foi Sven, o ferreiro da aldeia, que soltou uma gargalhada nervosa.
— Greve? Mas como? — perguntou, com o semblante confuso.
— Porque nesta história são usadas como um transporte, tal como para nós. Mas há umas diferenças — explicou Sigrid, satisfeita pelos suspiros e sorrisos que apareceram — São mágicas e capazes de voar pela noite adentro. Puxam um trenó carregado de presentes, e tem que os entregar a todas as aldeias deste mundo vasto.
As crianças começaram a murmurar entusiasmadas, os adultos cruzavam os braços e partilham sorrisos. Astrid, uma criança aprendiz de carpinteira, levantou a mão.
— Mas as renas são bem tratadas? Afinal, elas têm uma enorme resistência e são indispensáveis para percorrer longas distâncias. — perguntou ela, a voz carregada de inquietação.
Sigrid, não consegue conter um pequeno riso de satisfação com aquela pergunta.
— Claro que sim, minha pequena. — responde, ajeitando a manta de lã que trazia aos ombros.
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No Pólo Norte, a oficina do Pai Natal estava num alvoroço. Os duendes corriam de um lado para o outro, tentando manter a produção de brinquedos em ordem, mas o clima era de tensão. Na sala principal, o Pai Natal estava sentado na poltrona vermelha, com o gorro levemente torto e a barba despenteada. Diante dele, uma pilha de cartas de crianças aguardava resposta, mas ele não conseguia concentrar-se.
— Que confusão, ho, ho… ai, ai, ai! — suspirou ele, olhando para o telemóvel. — Se não resolver isto, metade do mundo ficará sem presentes.
A Sra. Natal, que tinha acabado de preparar bolachas, entrou na sala com uma chávena de chocolate quente.
— Querido, precisas de relaxar. Pensa com calma, e vais encontrar uma solução.
— Mas como? O trenó precisa das renas. Não há outra forma de voar! — exclamou ele, desesperado.
A Sra. Natal olhou para ele com aquele olhar de quem sabia mais do que deixava transparecer. Sentou-se ao seu lado e apontou para o telemóvel na mão dele.
— Por que não usas uma dessas aplicações modernas? Já ouviste falar de Uber?
— Uber? — repetiu o Pai Natal, franzindo as sobrancelhas. — Isso não é aquela coisa que as pessoas usam para chamar carros?
— Exatamente. Se não tens renas, talvez consigas um carro que faça o serviço.
O Pai Natal piscou algumas vezes, como se a ideia fosse absurda demais para ser verdadeira. No entanto, ele sabia que não tinha alternativas, e não custava tentar. Seguiu os passos, e por fim uma mensagem apareceu no ecrã "O seu condutor está a caminho."
Bastaram algumas horas, e do lado de fora da cabana, um carro preto aproximava-se deslizando pela neve.
Luís, um jovem condutor da cidade grande, tinha aceitado a proposta sem prestar atenção ao destino exato. Apenas notou que era incomum e pensou que alguém talvez estivesse a fazer uma piada.
Quando finalmente chegou ao ponto indicado, ficou boquiaberto. Diante dele estava o trenó do Pai Natal, as luzes mágicas piscando, e ao lado, o próprio bom velhinho.
— És tu o Luís? — perguntou o Pai Natal, inclinando-se para olhar pela janela do carro.
Luís piscou algumas vezes, confuso.
— Sim... mas o senhor é... o Pai Natal?
— Em carne e osso! — respondeu ele com um sorriso. — Precisamos de ajuda para salvar o Natal. As renas estão de greve, e isto foi a única alternativa que encontrei.
Luís olhou para o banco de trás do carro e depois para o trenó.
— Mas como vou carregar tudo isso?
— Não te preocupes com o trenó — disse o Pai Natal, levantando um saco enorme e pesado, sem qualquer esforço — O saco é mágico, e contém tudo o que preciso. Só preciso que me leves para entregar os presentes.
Luís hesitou. Era absurdo, quase impossível. Mas, no fundo, ele também sabia que era um trabalho, como tanto outros.
— Certo, Pai Natal. Vamos a isso.
A primeira paragem foi numa pequena cidade. Luís estacionou o carro, e o Pai Natal saltou com o saco às costas. Luís esperou no carro, ouvindo ao longe o som de risos e sinos. Quando o Pai Natal voltou, tinha um brilho no olhar.
— Uma entrega perfeita! — exclamou ele. — Vamos para a próxima.
Conforme a noite avançava, Luís começou a sentir a magia daquela missão. Cada paragem era única: uma casa com luzes coloridas, outra com uma lareira acesa e uma árvore decorada com delicadeza. Em cada lugar, o Pai Natal deixava algo mais do que presentes; ele deixava esperança e alegria.
— Nunca pensei que o meu trabalho como condutor fosse tão... importante — confessou Luís enquanto dirigia para o próximo destino.
— Todo trabalho tem o seu valor, meu amigo — respondeu o Pai Natal. — Esta noite, estás a fazer parte de algo maior.
Luís sorriu, sentindo-se inexplicavelmente orgulhoso. Nunca imaginara que, numa noite de Natal, onde tinha decidido ficara a trabalhar, para conseguir juntar um pouco mais de dinheiro para começar o sue próprio negócio, estaria a ajudar o Pai Natal.
Porém, a tarefa não foi sem desafios. Numa das paragens, o carro ficou preso na neve, e os dois tiveram de empurrá-lo. Noutra, um cão farejou o saco mágico e começou a ladrar, quase revelando o segredo ao dono. Apesar disso, conseguiram superar tudo com trabalho em equipa e boa disposição.
Finalmente, ao raiar do dia, chegaram ao último destino. Luís estacionou o carro, exausto, mas satisfeito. O Pai Natal voltou ao veículo depois da entrega final, com um sorriso cansado, mas triunfante.
— Conseguimos, Luís! Salvámos o Natal.
Luís olhou para o horizonte, onde o céu começava a clarear, e sentiu uma mistura de alívio e nostalgia. Nunca esqueceria aquela noite.
— Foi uma honra ajudar, Pai Natal.
— Foste incrível, meu amigo. — O Pai Natal tirou algo do bolso e entregou a Luís. Era uma medalha dourada, brilhando como se fosse feita de luz. — Um pequeno presente para te lembrares desta noite.
Luís pegou na medalha e leu a inscrição: “Ao condutor mágico de todos os tempos.”
— Obrigado, Pai Natal. Isto significa muito para mim.
O Pai Natal acenou e, com um último “Ho, ho, ho!”, desapareceu num lampejo de luz dourada. Luís ficou ali por um momento, a olhar para o céu vazio, antes de voltar para o carro. Sentia-se diferente, como se tivesse vivido um sonho que, de alguma forma, era mais real do que qualquer outra coisa.
De volta à aldeia de Solstício, Sigrid terminou de contar a história aos aldeões. A fogueira agora era apenas brasas, mas o calor das suas palavras mantinha o espírito vivo.
— Então, vejam, mesmo sem as renas, o Pai Natal encontrou uma solução. E sabem porquê? Porque a magia não está nas renas, nem no trenó. Está na vontade de fazer a diferença, na bondade e na ajuda mútua.
Os aldeões explodiram em aplausos. As crianças, inspiradas, começaram a dançar ao redor da fogueira, e os adultos levantaram canecas de hidromel para brindar àquela noite mágica.