#5 para 2025
O Fio do Vento - Haru OC
Escreve um conto sobre uma tradição de família que é passada entre gerações.
Quando era pequena, Haru gostava de acreditar que o vento falava. Não como as pessoas falam, mas como a água sussurra nas margens ou como os galhos das árvores se tocam em segredo. O velho dizia que isso era coisa de “quem escuta com o coração”, e ela escutava com tudo o que tinha.
A tradição começava sempre no primeiro dia em que a lua indicava que era outono, onde as noites ficavam mais longas e o céu parecia suspirar com mais força.
Não era uma simples história, era um conto passado por gerações. Cada mulher na linhagem de Haru guardava um fio da sua história, entrelaçado com a da anterior, como se todas tecessem uma tapeçaria invisível.
— O vento guarda as palavras que o sangue esquece — dizia a avó — Por isso, ouvimos e contamos.
Na vez de Haru, ela devia ouvir o conto da mãe antes de poder contar o seu, quando essa altura chegasse. Só que naquele ano, a mãe não quis contar. Limitou-se a sorrir, com os olhos cansados e os lábios silenciosos.
— Escuta o vento, Haru, porque ele vai guiar-te.
Foi quando a avó, já com os cabelos quase todos cinzentos e a pele fina como pergaminho, tomou a palavra no lugar dela.
“— Em tempos antigos, havia uma menina que nasceu entre dois mundos: o do eco e o do sussurro. Ela não pertencia a nenhum, mas ambos a chamavam. Cada vez que o vento mudava de direção, ela ouvia o seu nome. As pessoas achavam que era loucura, mas a família sabia que aquela menina era a portadora dos sussurros, a que guarda os segredos entre os mundos.”
Haru não entendeu tudo na altura, mas guardou aquelas palavras como se fossem um talismã. Às vezes o vento parecia chamá-la mesmo quando não havia brisa alguma. Outras vezes, sussurrava frases inteiras quando ela estava prestes a desistir. Era um conforto estranho, íntimo, um peso que ela aprendeu a viver.
A avó partiu numa madrugada tranquila, a mãe desapareceu antes disso. E Haru viu os olhos de ambas tornarem-se reflexos baços, como espelhos cobertos de poeira.
Haru acordou sobressaltada, era recorrente ter aquela sensação e nunca conseguia diferenciar se era só um sonho ou realmente uma memória. Com o passar dos anos aprendeu a afastar rapidamente as memórias e também as emoções. Só que havia uma força mais forte, um rugido do vento que ela não era capaz de ignorar.
Na noite mais fria do ano, como sempre, Haru acendia uma fogueira, mesmo que estivesse sozinha. Preparava o chá com as folhas prateadas que ela mesma colhia e contava a história para si mesma e para o vento.
— Uma menina nasceu entre dois mundos... — começava sempre, com a voz firme, mas o peito apertado. — …e quando o espelho partiu, ela tornou-se a portadora dos sussurros.
Ela contava e com o tempo começou a acrescentar pedaços seus. Pequenos fragmentos de coragem, dor, perda, partes que nenhuma antepassada poderia ter dito, mas que pertenciam à si e aqueles fios invisíveis.
Naquela noite em particular, a chuva ameaçava cair e o vento soprava com urgência, Haru falou para o céu com mais força do que nunca. Não havia fogueira acesa ou chá. Era ela de pé numa falésia, com o manto encharcado e os cabelos colados ao rosto.
— Não sei se ainda me ouves, mãe ... Não sei se o vento ainda carrega os meus desabafos ou sequer se fala comigo ou se fui eu que aprendi a falar sozinha ... mas esta é a minha parte do fio.
Fechou os olhos e inspirou profundamente.
— “Houve uma vez uma rapariga que guardava um espelho dentro de si. Um espelho partido e com cada fragmento, ela via uma parte diferente do mundo e de si mesma. Às vezes via esperança. Outras vezes via destruição. Só que nunca via o seu reflexo completo. Até ao dia em que encontrou alguém que não olhou para o espelho ... mas sim para ela.”
A chuva caiu, fria, como premonição.
— Esse alguém ensinou-lhe que não é preciso estar inteira para ser real. Que os fragmentos também são formas de luz. E nesse momento ela escolheu tecer o fio com o que tinha. Não era perfeito, mas era seu.
A rajada que se seguiu quase a derrubou, mas também envolvê-la, como se fosse um abraço tão necessário.
E Haru soube sem saber como que o fio continuava a ser passado, que a tradição não morrera. Agora, ela era a guardiã da história, a próxima a contar.





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